Sou dessas que gostam da Língua Portuguesa. Tenho a permanente sensação de inconformidade com vírgulas fora do lugar.

Antes que você me julgue, adianto: não tenho a menor vocação para Pasquale, muito menos capacitação para tanto. Apenas curto nutrir um sentimento de respeito pelo meu idioma. Uma forma de carinho, talvez. Ou sapiofilia, de repente.

Tive um chefe tarado por Gramática. Era daqueles que, antes da entrevista, já mandam a gente fazer um teste de Língua Portuguesa, com trinta perguntas de múltipla escolha e umas tantas dissertativas. Mais redação.

Sim, posso dizer que prestei um semi-ENEM para a vaga de assistente de atendimento numa agência de publicidade. Por maior que fosse a empresa e mais estratégica que fosse a conta, eu juro que nunca ouvi falar de nada parecido. Geralmente, o currículo seguido de uma conversa é o suficiente. Às vezes, nem disso precisa, basta uma indicaçãozinha. No entanto, desprovida de costas quentes, lá fui eu, fazer a tal prova. “Coisa de maluco!” – pensei.

Acontece que, de repente, fui percebendo uma sensação gostosinha no intelecto, ao constatar que eu estava gabaritando aquela bagaça. Crases, porquês, apostos, vocativos, concordâncias verbais e nominais: todos lá, devidamente alocados em seus lugares corretos.

Quando vi que o tema da redação era Gerundismo, então, fiquei estranhamente excitada. Sempre detestei “andos”, “endos” e “indos” mal aplicados! Nem precisei esperar a correção para exibir a cara de auto-orgulho. Teria eu, também, tendências à obsessão terminológica?

O resumo da ópera é que consegui a tal vaga – não sem antes passar por um interrogatório em forma de entrevista. (Não eram suficientes o rostinho bonito e o domínio do idioma pátrio. Eu precisava demonstrar inteligência competitiva, experiência na área, maturidade emocional, malícia de negociação e habilidade diplomática. Coisas comuns para uma moça de 19 anos).

Com o passar dos anos, fui entendendo o porquê daquilo tudo. E, nunca disse ao meu ex-chefe, mas passei a respeitá-lo ainda mais – não apenas por sua taradice léxica, mas também pela coragem de determinar o que era importante para ele num funcionário. Sim, coragem, porque esse tipo de seleção devia dar um baita trabalho e podia gerar mimimis de observadores mal-intencionados.

Quando foi minha vez de contratar, em outros contextos, enfrentei problemas sérios por não ter feito um filtro decente, ou pelo menos que estivesse de acordo com os requisitos que, para mim, eram básicos, primordiais, essenciais. A Língua Portuguesa é um deles.

Se a imagem da empresa é construída a partir de como ela se comunica, permitir que um funcionário se expresse de forma incorreta com os clientes é um desastre para qualquer reputação. A percepção é de incompetência, falta de confiança e de credibilidade.

Não era função do meu chefe contar quando se usa “seguem anexos” ou “seguem em anexo” ou quaisquer outros termos que todos deveríamos dominar. Da mesma forma como não era sua função me ensinar a ser educada, comprometida, responsável. Já bastava a rotina do trabalho que ele teria de me passar.

Gastar seu tempo explicando regras gramaticais que a Escola deveria ter me ensinado seria perda de produtividade. Simples assim. E duro, assim.

Tive a sorte de ter excelentes professores, desde a educação primária (infelizmente, essa não é a regra para a maioria da população brasileira, mas isso é papo para outro post). E também a bênção de ter herdado geneticamente de meus pais certa facilidade com algumas disciplinas. O fato é que – confesso – fui desenvolvendo esse chamego pelo Português.

Tenho um certo desconforto de pensar que a fluidez da internet está matando um pouco os idiomas formais. Parece que surgem dialetos dos meios de comunicação ditos sociais. Emergem abreviações, neologismos, simbologias, numa pulsante, quase agressiva, verbalidade do imediatismo.

“Quem usa ponto final nas frases é considerada uma pessoa fria”, dizia uma matéria que li recentemente. Oi?

Quando recebo uma mensagem de alguém que pontua corretamente no WhatsApp – coisa que não faço por pura preguiça – vou logo gamando, intelectualmente. Respeito puro, admiração genuína.

Minha mãe é dessas, que responde “nao” e depois escreve uma missiva se desculpando porque o teclado desconfigurou e ela não pôde usar o til. Muito amor.

Certa vez, um colega extremamente respeitado no meio editorial se espantou ao revisar um texto meu, que trabalhava na área de marketing: “Foi você quem escreveu? Está perfeito!”. Era uma daquelas inscrições chatérrimas de um case para prêmio. Precisava ser cheio de argumentos e dados, mas também didático e direto. Acho que ele estava revisando tantos outros tão redundantes que, aquele, simples, o surpreendeu.

Lembro-me de ter ficado surpresa, pois tinha produzido apenas “mais um texto chato”.

O comentário dele, seguido do característico sorriso largo, marcou meu coração: “Cíntia, um escritor norte-americano chamado William Faulkner disse que escrever ou é fácil, ou é impossível”.

Sei que meu colega concordaria com a conclusão a que me permiti chegar sobre tudo isso: quem tem facilidade com a Língua Portuguesa, deve valorizá-la. E ser grato a seus pais, professores, chefes, colegas, amigos.

Se você se identifica, cuidado: sua taradice léxica pode atrair outros loucos. Coisa que você, provavelmente, vai adorar.