Quando decidi morar fora, trabalhava havia cinco anos na mesma editoria de um grande jornal paulista.

Estava cansada do que fazia e queria mudar.

Como tinha bem claro para mim que não iria trabalhar servindo mesas, resolvi ir atrás de uma bolsa de estudos, o que exigiu planejamento, organização e paciência. Na primeira tentativa, não consegui. Mas não desanimei: tracei um plano para ir no ano seguinte.

O primeiro passo foi  mudar de editoria. Saí de Esportes e fui para Economia, onde minhas reportagens teriam mais visibilidade. Me inscrevi em três bolsas, uma nos Estados Unidos e duas na França, país para onde queria ir de fato. Fui aceita nos dois programas franceses, um em Paris (onde teria de bancar minha estadia) e outro em Bordeaux (com bolsa integral). Escolhi o segundo.

Enquanto esperava a data da partida para o tão sonhado ano sabático, resolvi fazer terapia. Afinal, seria a primeira vez que moraria sozinha, num país estranho, bancando minhas próprias despesas. Também seria a primeira vez que teria de conviver intensamente comigo mesma.

E, como estava decidida a tirar o melhor dessa experiência, resolvi trabalhar bastante essa questão. Mas nada como testar a teoria na prática.

Já em Bordeaux, passei o primeiro mês em um quarto na casa do professor que recebia os bolsistas. Logo percebi que não iria rolar. Era muito parecido com a casa dos meus pais. Tinha até uma gata siamesa igualzinha à minha. Precisava de meu próprio espaço. Por meio do professor, conheci uma brasileira que viria a se tornar minha melhor amiga. Ela me apresentou uma outra brasileira que me indicou a locadora de meu futuro apê, um studio (quarto-e-sala) mobiliado e bem localizado, perfeito para mim.

Uma das primeiras providências foi instalar uma linha telefônica e a TV a cabo. Entre as aquisições, uma secretária eletrônica (sim, ainda não havia celulares, nem linha com serviços inteligentes). Lembro que, ao chegar em casa da faculdade, onde fazia mestrado em Comunicação, sempre checava se havia mensagens. No começo, quase nunca havia. Claro! Ainda não tinha amigos e raramente a família deixava recado. Tínhamos dias combinados para falar.

Nem sempre era fácil. A solidão pode gerar ansiedade e depressão. Mas, quando gostamos de nós mesmos, constatamos que somos uma excelente companhia.

Podemos ler, estudar, escrever, ouvir música, cozinhar, sair para caminhar, ir ao cinema, comer fora, fazer compras – tudo sozinhos. Fiz isso inúmeras vezes e posso garantir: é prazeroso e muitas vezes libertador. É bom saber que dependemos apenas… de nós!

Passados alguns meses e já enturmada, com alguns amigos franceses e outros estrangeiros, a secretária começou a registrar recados. Qual não foi minha surpresa ao descobrir que nem sempre ficava feliz. Havia alguns recados que eu não queria responder. E algumas vezes não respondia mesmo. Me acostumei a ficar sozinha e a fazer minhas escolhas: se queria ou não companhia.

Hoje, sempre que a vida em família permite, faço coisas sozinha. Preciso desse tempo para lembrar que gosto de mim mesma.