Dizem que usamos apenas 10% do cérebro (embora eu acredite que algumas nem chegam aos dois dígitos), mas a verdade é que os outros 90% estão ocupados em entender a falta de coerência e padronização das coisas no mundo.

O ser humano é uma espécie que, desde os primórdios, vive em comunidade. No entanto, parece que na hora da definição de padrões, vale a lei do “cada um por si”.

O problema é que essa liberdade de escolha gera uma absoluta falta de padronização. Não podemos confundir as coisas. É ótima a liberdade de escolha entre um gel ou creme dental, um fio ou fita dental e principalmente entre uma IPA, weiss, larger e outras. Mas essa liberdade faz com que pessoas sem noção decidam coisas que só atrapalham nosso dia-a-dia. Sim, aquelas que constatamos serem as burrices da vida.

Quem nunca queimou um ventilador, secador, rádio ou outro eletro-portátil 110v em uma tomada 220v? Só queremos que funcione! Guardem as tecnicalidades pro pessoal do ITA.

O pior é que, antes de queimar, você ainda teve que encaixar um adaptador de dois pinos “chatos” para o padrão brasileiro (que, vale ressaltar, já teve diversos outros padrões). Todo cálculo de economia de um produto trazido do exterior também deveria incluir o valor do adaptador.

E os plugues, então? Dependendo do modelo, se for uma fonte, comerá 3 espaços da régua de energia. Afinal, no padrão atual só existe um jeito de encaixe: o que geralmente transforma a régua de 6 saídas em um mero benjamim.

A briga do sistema métrico vs imperial já derrubou um satélite meteorológico, e nada mudou. Na Inglaterra, o Saci-Pererê, que tem um pé só, seria considerado anão, já que eu tenho 5,38 pés. A centopeia, coitada, seria um dinossauro.

Fiz aulas de marcenaria por um tempo nos Estados Unidos (não me pergunte o porquê). Meu cérebro dava tela azul do Windows. Deveríamos cortar “¾ of an inch”. Até aí, ok: ¾ = 75%, mas… “de uma polegada”?!?!? Quanto é uma polegada? Por que usar fração? Nem me lembro de como se somam frações com denominadores diferentes. Teria de refazer a terceira série para concluir o curso ou fazer Telecurso com o Gepeto.

Fernanda Abreu não teria feito sucesso quando escreveu “Rio 40 graus” se não fosse pelo sistema métrico. Sonoramente seria um desastre “Rio 104 Fahrenheit” ou mesmo “Rio 313,15 Kelvin”. No Peru, achei abusivo o preço da gasolina (ainda mais que no Brasil). Mais tarde, descobri que, mesmo com o uso do sistema métrico, vendem dinossauro líquido em galões – e não em litros. Nos primórdios do bate-papo do Uol, alguns cientistas devem ter fugido da surfistinha18@uol.com, com receio da moça pesar aproximadamente 264 kilos.

01/08/2016 pode ser primeiro de agosto ou oito de janeiro de dois mil e dezesseis, dependendo do país ou configuração do calendário. Neste quesito, os japoneses são mais sábios: usam o modelo ano-mês-dia, afinal, é comum encontrarmos centenários por lá. Sem falar que é mais fácil lembrar o ano do que o mês ou dia de um acontecimento.

Quantos milhões já não foram subtraídos de planilhas de Excel pelo uso da vírgula ao invés do ponto? Quantas pessoas não foram desnecessariamente atropeladas em Londres ou Tóquio por algum estrangeiro que se confundiu na mão de direção? E, para nossa loucura, a tecnologia ainda mantém esse padrão despadronizado: o 4G estadunidense utiliza uma frequência diferente da nossa, USB, HDMI, Thunderbolt, VGA (para os old school), saída óptica…

Quem tem mais de três contas na internet, seja de e-mail, banco ou comércio eletrônico, sabe que não existe mais a “senha padrão”. Aquela primeira senha da conta que tinha o nome do cachorro agora mais parece um modelo de série do mesmo secador que você queimou no 220v: letra maiúscula, minúscula, número, símbolo, algarismo romano, casa do zodíaco e código da escala Pantone®.

Se o mundo continuar nessas proporções, em breve estaremos utilizando apenas 5% do cérebro para as outras coisas.

Que foi? Não gostou do texto? O que estava esperando? Um texto padrão?