Para alguns, ser professor é como um sonho de criança, motivado pela lembrança de carinho e acolhimento em horas de incertezas. Para outros, um complemento de renda, um quebra-galho profissional ou um plano B para a aposentadoria, motivado por partilhar experiências.

Não são poucos os que veem o ofício com um olhar de tristeza. Afinal, muito se reclama da remuneração, das condições de trabalho, das dificuldades em executá-la numa sociedade que desvaloriza o mestre.

Paradoxalmente, figura entre as profissões mais respeitadas, ao lado de bombeiro, por exemplo. Justifica-se que o professor é tão herói quanto aquele que salva vidas em situações terríveis.

Ser professor é um desafio, um ato de coragem e altruísmo, um sacerdócio.

Na prática, são horas e horas de dedicação para preparação de aulas, elaboração de provas, preenchimentos de diários, correção de atividades, busca de uma nova maneira didática e acessível para transmitir um conhecimento que, por vezes, até para o mestre é de complexidade assustadora.

A receita, se é que existe, é equilíbrio de, em meio a tanto material organizado nos bastidores, perceber além do quadro negro, das provas para correção, dos intermináveis pedidos de atenção e silêncio durante a explicação. É ver o aluno. Identificar não só uma dificuldade com o conteúdo, mas uma situação que foge à escola e envereda pela realidade da criança ou jovem.

Não são raros os casos de professores que identificam comportamentos reveladores de adversidades familiares, uso de drogas, bullying, crimes de natureza sexual como homofobia ou estupro.

Por vezes, a vítima prefere compartilhar com professores por confiança, afinidade ou como um pedido de socorro. Isso não se ensina na faculdade, não está em suas atribuições profissionais, não vem e nem deve vir contemplado no contracheque.

É a natureza da profissão nunca dar as costas ao aluno, mas fazer isso sempre ao egoísmo.

Por mais que a sociedade valide os comportamentos agressivos que por vezes resvalam, infelizmente, para a violência dentro da sala de aula, o professor tem em sua mente um compromisso com o ser humano, por mais desumanizadas que sejam as condições de trabalho que ele possa encontrar.

O professor é quem consegue olhar com esperança para o quadro. Sim, aquele mesmo quadro para o qual tantos olham com tristeza.

O ponto de partida pode estar nos preceitos do primeiro professor da civilização ocidental, Sócrates, que concebia a educação não como algo imposto, mas como partilhamento de saberes nas praças e mercados. Chegando à máxima “Só sei que nada sei”, ele construiu o oposto da educação elitizada dos sofistas. Suas ideias versavam sobre estar ao lado do educando, ouvi-lo, ensiná-lo com paciência e dedicação. Em pouco tempo, o filho de um escultor e de uma parteira passou a representar uma ameaça para aqueles que detinham o poder. Esse é um dos riscos de ser professor: desfazer as amarras da ignorância que foram instauradas por aqueles que sustentam a alienação a fim de explorar, diminuir, agredir. O futuro de Sócrates, infelizmente, foi a punição com a condenação à morte por envenenamento.

Os heróis de sala de aula atuais, cerca de dois milênios e meio depois de Sócrates, esforçam-se para fazer um trabalho dedicado e paciente, em meio à PEC que congela o investimento em educação e a pais que desfazem seu trabalho ao tentarem superar suas dificuldades e ausências na educação do filho.

O caminho é árduo, mas o ser humano que está em sala de aula confia em um futuro promissor para todos nós e para aqueles, pequenos ou nem tanto, que podem ser os atuantes na transformação da sociedade em que vivemos.

Enquanto houver esperança, há chances de se mudar o quadro. Em meio às dificuldades, todo professor sabe que também é transformado por aquela turma, por aqueles raros instantes de silêncio durante a explicação, conquistados a duras impostações vocais. O combustível para movimentar a engrenagem de fé que crê em dias melhores na educação é o sorriso que se abre depois da compreensão daquilo que parecia tão complexo, tão difícil, tão assustador. É ver a evolução daqueles seres humanos sabendo que, em parte, o mestre também se transforma, também evolui, também muda no exercício da profissão.

Parece que você vai todos os dias fazer tudo sempre igual, como canta Chico, mas cada turma é uma turma, com especificidades que requerem deste ator escondido no jaleco a habilidade de transformar, em questão de poucos minutos, a abordagem do tema. Parece que foi improviso, mas não se engane: professores amam tanto o que fazem a ponto de fazer a mesma coisa, a partir de diferentes pontos de partida convenientes para cada turma, só para conduzir seus educandos ao conhecimento.

Eles são perspicazes, perigosos e, justamente por isso, adoráveis.

Tomo a liberdade de oferecer esse texto como uma homenagem a uma grande professora: Helley Abreu Batista, de 43 anos. Eu só conheci Helley no começo de outubro, não pessoalmente, mas pelo noticiário. Ela foi uma heroína da creche Gente Inocente, no bairro Rio Novo, em Janaúba, MG. Em meio ao fogo ateado por um funcionário, impediu que parte das 75 crianças que estavam nas instalações fossem mortas. Até agora quase dez crianças morreram, cerca de 40 pessoas estão hospitalizadas com queimaduras e por terem inalado muita fumaça. Helley resistiu à inércia, lutou pelas crianças. Seu corpo não resistiu aos ferimentos. Este texto também é para ela, uma colega que ensinou até o último instante. Certamente, ela agora está em paz por ter cumprido seu dever. Muito, muito, muito obrigada, tia Helley!