Desde que me conheço por gente, sou vidrada em aviões.

Minha mãe contava que me colocava, ainda bebê, num cesto, na sacada do apartamento onde morávamos, para tomar o sol receitado pelo pediatra. E que eu me sentei pela primeira vez para tentar ver o avião que passava e que, por meses intermináveis (eu acho!) não conseguia ver direito porque ainda não sabia me virar sozinha.

Daí em diante, ela passou a ficar ainda mais atenta porque, a qualquer hora, eu poderia me erguer e, quem sabe, escalar a grade da sacada para  me dependurar no parapeito só para ver aquela máquina barulhenta de voar.

Aviões, talvez por isso mesmo, sempre povoaram os meus sonhos.

Na infância eles eram hiper-realistas, com roteiros complexos, efeitos especiais e até mesmo personagens alienígenas – ou extraterrestres. E olhe que televisão entrou em casa quando eu já era bem grandinha!

Voavam em naves espaciais que paravam no ar, como fazem os helicópteros, e tinham cabines panorâmicas, o que me permitia ver “em close” não apenas o piloto, como também os mínimos detalhes do seu uniforme, com fitinhas, botões dourados e medalhas.

Pairavam no ar, claro, para que eu tivesse tempo de vê-los! Voavam em esquadrilhas, mas não soltavam fumaça colorida. Do som eu não me lembro, acho que eu regulava para não incomodar. E havia sempre um piloto gentil que parava só para me cumprimentar!

Na infância eu também sonhava com avião caindo. Eu via ele vir, passar raspando pelos telhados e se estatelar no solo, incendiando-se em seguida. Não tenho certeza de ter visto alguma cena dessas na TV, para tê-la como referência para o sonho. Sei que era sonho recorrente (mas, estranhamente, eu não acordava aflita, como num pesadelo) e torcia para que não fosse premonitório, porque tudo o que não queria – e não quero, é testemunhar um acidente desses.

Muitos anos mais tarde, já adulta e com filhos, eu perdi uma amiga querida num acidente de avião.

Aconteceu mais ou menos como no meu sonho, embora não haja imagens reais para comprovar. A diferença é que ele não se preparava para pousar, estava decolando. O reverso se abriu, ele perdeu forças, arrancou o telhado de algumas casas e matou todos os que estavam a bordo. Meu sonho infantil recorrente me tomou de assalto no minuto em que soube. Prefiro continuar não acreditando em premonições.

Prefiro, isso sim, rememorar uma lembrança fantástica: o dia que meu pai me levou para ver um avião de perto. Eu era bem pequena, não tenho ideia de que ano foi isso, e meu pai não está mais vivo para me informar. Mas desconfio que era alguma exposição da Aeronáutica, possivelmente no Campo de Marte.

O que me lembro é de ter ficado com ele numa fila para poder entrar num avião gigantesco. Entrávamos pela bunda dele, por uma plataforma inclinada. Era um cargueiro, e nele cabiam caminhões, tanques de guerra e tropas de soldados. Se um amigo que tenho, fanático por aviões de guerra, ler esse artigo, certamente saberá me dizer o ano, o evento, o nome e, quem sabe até o prefixo daquele aviãozão.

Nunca vou me esquecer da emoção que senti ao entrar na barriga daquele monstro. Era a coisa mais monumental que eu já tinha visto.

Eu me imaginava dentro do Moby Dick, ou da baleia que engoliu o Gepeto. Era difícil de acreditar que um avião daquele tamanho pudesse voar! Imagino que se tratava de uma espécie de Antonov dos anos 1960.

Prefiro, também, acreditar que essa admiração por aviões possa ser herdada, passada de avós e de pais para filhos e netos. Não conheci meus avós – imagine que eles foram contemporâneos de Santos Dumont (que morreu em 1932), portanto avião, na época deles, deveria ser uma coisa fantástica, irresistível.  Minha mãe contava, emocionada, quando viu no céu o gigante dirigível Zeppelin! Eu, por minha vez, vi o homem pisar na Lua, é mole? Ao vivo!

Se isso não for hereditário, como é que se explica que aquele bebê, que se sentou para ver um avião no céu, teve um filho que se plantou na cabeceira de determinada pista do aeroporto de Guarulhos, em 2010, para filmar o primeiro pouso, em São Paulo, do maior avião do mundo em operação, o russo Antonov?

Resolvi contar tudo isso pra você porque vi recentemente (no dia 14/11/16) a transmissão ao vivo, feita pelo próprio Aeroporto Internacional de Guarulhos, do segundo pouso do Antonov. E a câmera me colocou, novamente, na barriga do avião, como naquele dia mágico propiciado por meu pai. Só não digo que parecia videotape porque era ao vivo!

Se ficou curioso, assista ao pouso e veja o Antonov por dentro.

E você? Quais lembranças de infância marcaram sua vida?