No final do ano passado eu li “A Mágica da Arrumação” da Marie Kondo. Sempre fui bastante organizada, mas o livro estava fazendo tanto sucesso, e tanta mídia escrevia sobre ele, que resolvi comprá-lo para desvendar o mistério de tamanho burburinho.

O método da japonesa consiste, basicamente, em descartar tudo aquilo que não nos traz alegria.

A escrita de Marie Kondo é tão convincente que me vi, na primeira semana de janeiro, descartando cinco sacos de lixos, emprego, namoro, carreira e amizades. Digamos que fui um pouco além do método KonMari.

Quase um ano depois, confesso que senti falta de bastantes coisas pelo caminho. Fui radical demais, e percebi o óbvio: se não estou feliz, nenhum objeto me trará felicidade.

Hoje me sinto um tanto ridícula ao virar para minha irmã e dizer “Lu, você pode me emprestar aquela blusa que era minha?”.

Eu me pergunto: amizades também podem ser descartadas?

Posso ser grata pelo período que passamos juntos e, um dia, liberar esse espaço?

Finais de semana dedicados ao companheiro, aos filhos, à família, ao trabalho excessivo durante a semana, aos estudos e ao cansaço vão ocupando tanto lugar que o papo furado típico e necessário entre amigos fica do lado de fora.

Em um mundo pragmático e funcional, observo que um dos motivos para justificar o encontro amigável é transformar o amigo em terapeuta não capacitado. Também chamo esse encontro de “a curva do rio” – a curva é onde encalha tudo de ruim que é jogado em um rio.

Sabe aquela pessoa que liga apenas para desabafar, e toda vez que a encontra só conta problemas? Ela muda de namorado, mas a queixa é sempre a mesma. É promovida, mas as reclamações financeiras não mudam. A gente aconselha, enxuga as lágrimas, segura na mão… até a próxima chamada telefônica.

Isso quando não somos nós os problemáticos e já nem sabemos mais se queremos alguém para nos ouvir ou buscamos apenas um indivíduo que concorde conosco.

Este tipo de situação torna-se mais repetitiva que a novela Usurpadora. Então, não temos mais vontade de chamar para sair, não possuímos paciência para ouvir, muito menos vontade de falar. O telefone toca e já nem queremos atender. Retiramos a função de notificação do WhatsApp. Encontros presenciais, nem pensar! Nossa agenda vira mais ocupada do que a da Hillary Clinton em época de campanha. Ou, pior ainda, sentimos que somos nós, os evitados.

Impreterivelmente, a relação esfria, os interesses se modificam e, quando damos conta, aquele que foi tão especial se torna apenas mais um acontecimento em nosso feed de notícias!

Continuamos a curtir os posts, as fotos, os comentários. No fundo, talvez queiramos dizer “Ei, ainda gosto de você”.

Faz parte da vida: nós mudamos, os outros mudam e as amizades cumprem as suas funções. Em outras palavras: aquele que foi amigo não me traz mais alegria? Agradeço e descarto.

Será esse o caminho? Eu penso que não. Um amigo não é apenas o ombro em tempos difíceis.

Amizade é para os bons e maus momentos e não possui em si nenhuma função objetiva

Uma vez perguntaram para um casal de idosos qual era o segredo da longevidade da relação. O senhor respondeu: “sou do tempo em que, quando a televisão quebrava, eu levava para consertar e não trocava de aparelho”. Acho que vale o mesmo para qualquer tipo de relacionamento.

Não sou a favor do descarte, mas também acredito que a gente pode dividir mais nossas alegrias. Se foi promovido, pague um café. Comprou uma casa? Convide para jantar. Namorado na área? Apresente. Viajou? Mande um cartão postal. Projeto novo? Envie uma mensagem personalizada contando a respeito. Descobriu um restaurante descolado? Chame para a próxima vez.

O descarte é fácil. Arrumar espaço, mais difícil: exige dedicação e boa vontade.

Marie Kondo é prática e minimalista.

Milton Nascimento não, é um acumulador – acha que amigo é coisa para se guardar.

Talvez seja o caso de buscar ser um pouco fora de moda, voltar pra década de 80 e ouvir mais aquela canção da América.