E então eu me mudei para os Estados Unidos. Faz 10 meses, isso, já.

Foi assim: o trabalho chamou e eu vim. Nunca sonhei em morar fora. Até porque, se sonhasse, gosto eu de achar que seria com algo mais romântico – Paris ou Amsterdã e tal. Aos Estados Unidos, não sei, talvez faltasse um certo charme. Fora o fato de que eu amo o Brasil. Mas, morar fora por alguns anos? Poxa, é claro que sim! E assim viemos, eu mais marido, estabelecer residência em Seattle.

A vida na América é assim: fácil.

É tudo tão fácil! Talvez isso, de tudo, tenha sido o que mais me impressionou até agora. Dia sim, outro também, eu descubro alguma coisa que faz o meu queixo cair, o meu cérebro explodir, que me faz mandar uma mensagem em caixa alta e em massa no grupo da família falando “GENTE DO CÉU. G.E.N.T.E D.O.C.É.U.”, seguido pela descrição da descoberta da semana salpicada com muitas exclamações e aquele emoji que parece o cara do ‘O Grito’.

A seguir, uma pequena lista das coisas que foram parar no grupo da família.

1. Lixo é uma coisa que praticamente se resolve sozinha. Um item tão importante, mas tão importante, que eu vou dividir em sub-tópicos.

 

Evidência 1A: faz 10 meses que eu não limpo redinha de pia da cozinha.

Redinha, aquela coisa no ralo da pia que impede a comida de entupir o encanamento. Obrigada, redinha, por evitar males maiores, mas que raiva que você me dá. Não, aqui a pia tem um triturador. Vai a comida toda embora ralo abaixo, tritura-se todo aquele resto nojento do almoço ou do jantar, e toquemos a vida. LINDO. Eu tento explicar pros colegas americanos a maravilha que é. Quer falar de qualidade de vida, vamos falar de ralinho de pia. A vida humana é digna demais pra uma tarefa porca dessas. Mas é difícil pra eles conceber uma vida limpando ralo.

É mais irritante do que parece, explico eu com riqueza de detalhes: “a comida gruda, tudo gruda, e tem umas certas coisas que emaranham. Tem a técnica de bater a redinha no lixo, mas isso resolve 90%. Os 10% restantes são os mais nojentos, porque exigem intervenção manual. Você tenta com a esponja, em vão, porque no fundo você já sabe que raspar vai ter de ser com o dedo mesmo”.

Mas, aqui, não. A vida é tão boa, mas tão boa, que fui poupada de todo esse terrorismo. Obrigada, América. Eu nunca mais quero voltar para uma vida de ralinho. No more ralinho for me.

Evidência 1B: o mesmo se aplica ao papel higiênico, que, pela graça divina, é biodegradável e também vai embora encanamento abaixo.

Lixo de banheiro aqui é fio de dental, algodão e cotonete, coisas que demoram a encher o lixo, diminuindo a rotatividade da troca da sacolinha.

De novo – eu tento explicar aos amigos americanos: “no Brasil, papel sujo vai na lixeira. Você tem de ir lá, tirar a sacolinha, dar um nó. E, às vezes, não é tão simples: a sacolinha era pequena demais, lotou. Era pra ter trocado antes, mas você ficou com preguiça. Agora, dá-lhe dar aquela empurradinha, pra abrir espaço pra fazer o nó. Pega a sacola cheia de papel sujo, chama o elevador. Entra no elevador, mas não qualquer elevador. No Brasil, tem um elevador que a gente chama de serviço que serve pra transportar lixo e empregada doméstica”.

Pronto. Aí gringo pega fogo. Escatologia Preconceito social??? Bum. É o que faz o cérebro deles explodirem (e o meu também. Escatologia é bobagem perto dessa coisa atrasada e feia que é ter um elevador separado para empregadas. Mas isso é tema pra um outro texto.)

2. Amazon. Apenas TUDO se vende na Amazon. Frete grátis e 2-day shipping.

Quem é que quer sair de casa pra comprar papel higiênico, cândida, vidrex, plástico filme? Não, não, não. Aqui pede-se tudo pela internet e, se pedir de manhã, tem coisa que à tarde já está na porta de casa. Ah, e tem coisa que se assina. Eu assino Netflix e papel higiênico, por exemplo. Todo dia 30 chega um pacote, o que, em outras palavras, quer dizer que o papel higiênico, na minha casa, nunca acaba. América: a terra do papel higiênico que nunca acaba.

3. Os pães de cachorro quente vêm partidos ao meio de fábrica.

Vou repetir: OS PÃES DE CACHORRO QUENTE JÁ VÊM, DE FÁBRICA, PARTIDOS AO MEIO. Sem brincadeira, eu fiquei MUITO impressionada. GÊNIOS. Gênios, gênios, gênios. Aquele momento em que a inovação dá um tapa bem forte na sua cara.

4. Existe um produto pra tudo. 

Vou explicar com um exemplo. Tenho bruxismo. E tinha uma daquelas plaquinhas que se usa pra dormir, mas ela estava já muito velhinha, desgastada e nojenta. Queria uma nova, aquele tipo de coisa que você faz por amor próprio, pra aumentar a sua nota na escala da dignidade humana (junto com trocar pijama furado, limpar o umbigo e por aí vai).

Bem, pensei eu. Yara, você está aqui há 10 meses já, você sabe o que fazer. Não deu outra. Fui à farmácia do bairro e PLIM! Tinha lá não uma, não duas, mas QUATRO marcas de plaquinha de bruxismo ready to wear. Esquenta no micro-ondas que ela amolece, coloca na boca, morde, o molde se acerta e aí está! Eis a sua nova plaquinha, era o que as instruções diziam (em tom mais formal, claro).

Uma operação que no Brasil envolveria ligar pro dentista, marcar o horário, um dia antes receber cinco chamadas da recepcionista desesperada pra confirmar se você vai mesmo, que não é pra chegar atrasado, pegar o táxi, ir até o consultório, chegar com 10 minutos de antecedência, mas esperar quarenta, porque, afinal, você é quem não pode atrasar, mas o dentista, ei, o doutor é muito ocupado, abrir a boca, deixar ver a boca, fechar a boca, marcar horário no laboratório, pagar 300 reais que isso o convênio não cobre, não, moça, fazer o molde, esperar, voltar no consultório dez dias depois e PLIM! Só que não.

Então, bem, é isso. A pergunta que mais me fazem depois que me mudei, claro, é: ‘e então, Yara, como é morar nos Estados Unidos?’.

Eu respiro bem fundo, a expiração sai traduzida em forma de sorriso, daquele tipo que vai se abrindo largo, empurrando bochechas ao alto, e deixo vir aquela expressão feliz e serena, típica de quem não tem que limpar redinha de pia.