Enxaqueca outra vez. Coitada da mamãe. Há anos sofrendo com essa dor de cabeça infernal.

Justo ela, sempre tão festiva, sempre tão brincalhona…

Já sei: vou comprar uns sonhos naquela padaria que ela mais gosta e pedir pra Scarlet entregar a surpresa.

Isso lhe fará bem. Já faz uma semana que não vê a neta, e essa ausência maltrata o coração de qualquer vovó.

– Filha, você pode levar esses doces para a vovozinha?

– De boas, mãe. Ela mora longe, mas levo sim.

– Cuidado, o caminho é deserto… E aquele lobo mau passeia aqui por perto.

– Tô ligada, mãe. Relaxa que volto à tardinha, ao sol poente.

Ela sabia: só assim dormiríamos contentes. Depois que o pai dela me trocou por aquela vagabunda, tenho me sentido muito só. Minha filha é meu porto seguro, minha companheirinha. Nem parece que tem só 15 anos. Ontem mesmo usava fraldas! Hoje me aconselha, toda madura. Fico encabulada, mas ela continua incentivando que eu procure um novo caçador na minha história…

Senti um aperto no coração quando ela saiu. Aquele chapeuzinho vermelho chamava a atenção demais. Tá, eu sei que é o estilo dela, e respeito muito suas escolhas, mas fico preocupada… O mundo é cheio de gente mal-intencionada.

Deve ser bobagem minha. Preciso confiar na educação que dei a ela, não é mesmo? Não falar com estranhos, essa coisa toda. Vai ficar tudo bem.

Aliás, não tenho do que reclamar da minha garota. Tão prestativa, tão inteligente, tão sensível. Daqui a pouco vão chegar vários príncipes encantados na vida dela. Se já não chegaram, e eu não sei. Será? Não, ela me contaria.

Fico um pouco preocupada com o horário. Já deveria estar de volta a mocinha. Ai, ai, ai. Mamãe deve ter insistido para que lanchassem juntas. É só a netinha chegar, que surge uma torta cheirosa ou um bolo fofinho daquele forno à lenha. Deve ter sido isso o que aconteceu.

Será que melhorou da enxaqueca, a mamãe? Ela já não é mais a mesma, coitada. Ficou viúva tão cedo, e trabalhou tanto pra sustentar nossa família depois que o papai se foi… Preciso dar um jeito de morar mais perto dela. Faria bem a nós três.

E eu não precisaria ficar agoniada assim quando Scarlet a visitasse. Gente, que demora! Eu sei que ela se vira bem sozinha. Eu a criei pra isso! Mas é instintivo e inevitável: olho pra ela e acho que ainda é o bebezinho da mamãe. Sempre vai ser.

(Toca o telefone)

Alô? Filha? Graças a Deus! Estava preocupada, menina! Você não avisa onde está, desse jeito me mata do coração, e… O quê? Fala devagar! Que lobo? Como assim, trancou a vovó no guarda-roupas? Meu Deus! Calma, filha. Não tô conseguindo entender nada! Tá falhando a ligação! Peraí.

Sem sinal. Nenhuma operadora funciona direito nessa porcaria de bosque.

(Toca o telefone)

Caiu! Fala, filha. Ah, oi, mamãe! Que coisa horrorosa! Ela me contou que o lobo apareceu aí e prendeu você! O que? Foi pra cima dela também? Ah, meu Deus. Mas tá tudo bem mesmo, mãe? Tá bom. Tá bom. Uhum, eu acredito. Tá, prometo ficar bem. E a enxaqueca, mãe? Imagina, não tem por que agradecer. Deixa eu falar com a Scarlet de novo? Tá. Beijo.

Filha, peloamordeDeus, fala a verdade. A vovó tá bem mesmo, então? Mas que susto, menina. Ninguém merece. Oi? Não acabou? Que caçador, meu Pai do Céu? Ninguém me contou essa parte! Chegou aí e resolveu tudo? Jura? E como ele é, hein…? Tá bom, tá bom. Parei. Manda outro beijo pra vovó e volta logo.

Leia a continuação na carta da  vovozinha para a mamãe da Chapeuzinho Vermelho.