Tem dois anos e meio e, de todas as possibilidades do arco-íris, prefere cor-de-rosa. Sem vocação para bela, recatada e do lar, eu é que não a ensinei isso. Aprendeu em algum lugar que meninas devem gostar de cor-de-rosices. E de vestidos. E de sapatinhos de cristal.

Não a recrimino. Apesar de ser o próprio avesso da bailarina, acho uma delícia ser feminina. Uso saias com frequência, nada tenho contra a depilação, e considero a maquiagem uma importante aliada do dia-a-dia.

Mas não me peça para achar bonito ser princesa. Essa imagem me dá calafrios. Donzelas indefesas que precisam de príncipes encantados para sua redenção. Unhas feitas com bolsinha a tiracolo que dependem do cartão de crédito dos maridos para satisfazer seus desejos consumistas. Damas que dominam a arte de ser portar bem durante as refeições, mas não tem a menor ideia de onde vem os alimentos, muito menos de como chegam à mesa.

Acabo de assistir a um vídeo – que me deu náuseas – sobre o lançamento de uma Escola de Princesas em São Paulo. Mães achando super fundamental que suas filhas aprendam que tipo de flores devem pedir aos maridos que comprem para decorar seus doces lares.

Meninas devem ser educadinhas, comportadinhas, mimadinhas, cor-de-rosinhas. Meninos podem ser aventureiros, inteligentes, livres, garanhões.

Só eu consigo ver que tem algo muito estranho aqui?

Você pode estar pensando que sou daquelas feminazis hard core. Pois não me considero desse nicho, não. Gosto muito de ser tratada com gentileza, admiro o cavalheirismo, não me sinto ofendida se o rapaz insistir em pagar a conta – por mais que eu busque ter recursos para dividi-la.

Simplesmente não me agrada a ideia medieval de que garotas pre-ci-sam ser princesas. É claro que se elas assim o quiserem, que sejam, numa boa! Quem sou eu para impedir alguém de alguma coisa? Que andem de carruagem e dancem quantas valsas puderem com seus vestidos bufantes. Que sejam respeitadas por gostarem de tomar chá com o dedinho corretamente posicionado. Que passeiem no shopping e sejam mantenedoras da Louis Vuitton, se isso as fizer felizes.

Mas, por favor, se desejarem ser molecas, deixem-nas subir em árvores e jogar futebol sem taxá-las de qualquer rótulo babaca. Liberem-nas das aulas de ballet e considerem-nas normais se forem boas em Física.

Ah, mas a sociedade.. Ah, mas a mídia… Ah, mas o Discovery Chanel… São várias as fontes de fomento a essa cultura princesística, você vai argumentar. É difícil fugir dela, não dá para alienar-se. Concordo com você.

Já perdi a conta de quantas vezes assisti Frozen e do proporcional número de broncas que tive de dar na minha filha que só quer usar vestido ao invés de calça, em pleno inverno, para se sentir bonita como a Elsa.

Cabe o esclarecimento: nada contra as superproduções encantadas. Acho forte e emocionante a mensagem de Frozen, a cumplicidade entre irmãs, o incentivo à liberdade. Mas, de alguma forma, nesse pacote todo de lições e aprendizados, a moral da história, para minha filha, inclui: você só fica linda e maravilhosa quando usa vestido.

E me pergunto como isso se internalizou tão fortemente em uma criança de menos de 3 anos – se aqui em casa nunca se falou que beleza tem qualquer relação com vestuário. Talvez a resposta esteja na impressionante capacidade da Disney de catequizar. Ou na minha lamentável incapacidade de conduzir a pequenina na reinterpretação do filme, de forma a fazê-la digerir as mensagens contidas nele, filtrando o que faz ou não sentido para nós.

Estudiosos da psique humana explicarão a necessidade inerente ao ser humano de idolatria. De ter referências. De se identificar. É natural que minha filha olhe para as princesas e queira ser como elas: vencedoras, amadas, triunfantes. Qual o meu papel na brincadeira? Contar a ela que ela não apenas as princesas podem ser vencedoras, amadas e triunfantes.

Elogio minha filha dizendo que ela é inteligente, observadora, curiosa – muito mais que reforçando o quanto a acho linda.

É muito fácil dizer a uma garota “como está bonita com essa roupinha!”, ou “você ficou uma gracinha de batom!”. Difícil é gastar tempo ensinando-a a usar guache. Lendo para ela histórias educativas. Empurrando-a no balanço. Cantando músicas educativas e não massificadas. Incentivando-a a brincar com terra e não com Fisher Price.

Não tenho a pretensão de criar minha filha numa redoma. Quero, sim, que participe do mundo. Que conheça, que sinta, que interaja, que explore. Mas tenho tentado mostrar a ela que podemos usar nossos próprios filtros para interpretar a realidade. E que ela não é bonita porque usa vestido, e sim porque é única.

Quais feitiços nos adormecem hoje em dia? Que tipo de maçã envenenada temos repartido com nossos familiares? Estamos esperando alguma fada madrinha nos entregar magicamente uma carruagem ou podemos pegar um Uber para o baile?

Já é tempo de darmos menos espaço a extremos e encontrar beleza e equilíbrio no abandonado bom senso, esse, sim, imprescindível para o desenvolvimento cognitivo de qualquer ser do mundo real.