Bel pegou uma caixa de leite na sacola de compras e um copinho:

– Vovó, põe leite aqui!

– Melhor fazer isso na cozinha para não derramar…

–  É faz de conta, vovó!!!

– Ah!

Quando ela viu que entendi e fiz o gesto de despejar o leite, riu e falou:

– Quer um pouquinho?

Aí “tomamos” o leite e ficamos felizes para sempre, como ela gosta de dizer…

Pois é! Com dois aninhos, a Bel sabe brincar de faz de conta!

Lembrei-me da letra de “João e Maria”, do Chico Buarque:

Agora eu era o herói
E o meu cavalo só falava inglês
A noiva do cowboy
Era você além das outras três.
Eu enfrentava os batalhões
Os alemães e seus canhões
Guardava o meu bodoque
E ensaiava um rock para as matinês.
Agora eu era o rei
Era o bedel e era também juiz
E pela minha lei
A gente era obrigado a ser feliz.
E você era a princesa
Que eu fiz coroar
E era tão linda de se admirar
Que andava nua pelo meu país.
Não, não fuja não
Finja que agora eu era o seu brinquedo
Eu era o seu pião
O seu bicho preferido.
Vem, me dê a mão
A gente agora já não tinha medo
O tempo da maldade
Acho que a gente nem tinha nascido.
Agora era fatal
Que o faz-de-conta terminasse assim
Pra lá deste quintal
Era uma noite que não tem mais fim.
Pois você sumiu no mundo
Sem me avisar
E agora eu era um louco a perguntar
O que é que a vida vai fazer de mim.

O mundo mágico do faz de conta é sempre lindo e pode ser construído na imaginação, segundo vontades e preferências. Lá tudo é possível e nada impede que os sonhos mais ousados aconteçam. Inclusive, a dor pode ser banida por absoluta falta de espaço.

Basta dizer “Então, eu era bonito, inteligente, saudável, rico, corajoso, solidário, feliz…” O tempo verbal “era”, usado no lugar de “seria”, muda tudo!

Na vida real, às vezes dura e amarga, nada é muito fácil. Por isso, bom seria manter o equilíbrio entre o que é e o que poderia ser. O faz de conta não deve representar uma fuga, nem alienação, mas uma referência, a idealização de um objetivo, talvez.

Por enquanto, gosto muito de fechar os olhos e fazer de conta que a brisa sopra suave e perfumada, as flores desabrocham naturalmente, as águas murmuram nas fontes e os pássaros cantam alegrando a manhã ensolarada.

E que as pessoas se toleram, afastam-se do que não lhes pertence, são solidárias e vivem em paz.

Post original do Blog “Crônicas da Alma”.