Sempre que a porta se abria, eu experimentava a sensação de um Gulliver às avessas.

Tudo parecia enorme: os móveis entalhados, o espelho bisotado que ia até o teto, as cortinas de veludo verde que caíam em pesadas pregas sobre o assoalho de tábuas largas, encerado com capricho. Assim era o apartamento da minha avó. Ou pelo menos como eu acho que ele era quando eu tinha 4 anos.

Cada vez que a entrada naquele mundo de sossego e proteção me era franqueada, já antegozava os prazeres que teria. Como neta mais velha (e preferida, diziam as línguas invejosas), possuía alguns privilégios.

O mais importante era poder visitar a mãe de minha mãe quando bem quisesse, já que morávamos no mesmo prédio. Minha irmã, a segunda na hierarquia dos netos, mal completara 2 anos, o que não a habilitava a desfrutar longas tardes em tão boa companhia.

Quando a porta se abria e a avó me recebia com sorrisos e abraços, sabia que mais uma tarde memorável estava começando.

O avental sobre o vestido estampado e os cabelos cor de prata presos em um coque na nuca eram sinais inequívocos de movimentação na cozinha. O que estaria sendo preparado entre as quatro paredes forradas de azulejos brancos?

Ao subir no banquinho que me dava acesso à bancada da pia, conferi algumas pistas: massa, farinha, rolo, três tipos de recheio… “Oba, pastel!”

A alegria era dupla, porque, além de comer, a avó permitia que eu a ajudasse, passando o rolo na massa, recheando o pastel e finalmente (a parte de que eu mais gostava) dando o acabamento nas bordas com um garfo.

Também tinha a hora do chá, servido em bule e xícaras de dimensões liliputianas, que eu partilhava com a avó e duas ou três bonecas. Sentávamos nos sofás adamascados da sala de estar, onde conversávamos sabe-se lá o que por horas a fio. O tempo era marcado apenas pelo tique-taque compassado do antigo relógio de mesa alemão.

Em certo momento, a avó se levantava e ia preparar a mais aguardada das surpresas. O barulho da água correndo e o perfume dos sais que ela colocava na antiga banheira de louça criavam a atmosfera para o banho. Era como um longo abraço. O vapor subia da água, parecido com o nevoeiro das manhãs de inverno. Isso aumentava a sensação de aconchego.

Adorava ficar ali brincando com o peixinho lilás de plástico e o pato de borracha que apitava quando apertado. Era o suprassumo, mesmo nome de uma balinha daquela época, cujo sabor de limão permanecia na boca por muito tempo.

Às seis, terminava minha jornada na casa da avó. Não sem antes ganhar um embrulhinho com os sequilhos que ficavam guardados em um pote de cristal sobre o bufê da sala. Eram reservados para as visitas e, às vezes, para mim.

Como neta mais velha – e preferida, admito – sempre tive privilégios. Despedia-me da avó. A porta de madeira maciça fitava-me com seu olho vazio, pronta para arremessar-me de volta à realidade.

Mas também para me receber da próxima vez.