Dizem que somos mais parecidos geneticamente com nossos avós que com nossos pais. O psicólogo chileno Alejandro Jodorowsky, no entanto, vai além: sua teoria diz que é da avó materna que herdamos a maior parte da carga genética, dentre todos os avós.

Para mim, faz sentido: em muitos aspectos, considero-me bastante parecida com minha vó Bráulia. Minha mãe tem características muito fortes de sua avó Carolina. E, espantosamente, vejo já em minha filha muitas semelhanças com a minha mãe!

Acontece o mesmo com você?

A vó Bráulia foi a única avó que conheci. Morava conosco desde que eu usava fraldas, e ajudava meus pais a cuidar de mim e do meu irmão mais bagunceiro, digo, novo.

Minha cama ficava ao lado da sua e, quando não estava muito cansada, contava histórias para eu dormir. Não era exatamente paciente, apesar de sempre amorosa. Rola uma identificação, confesso.

Batalhadora, fez o que pôde para que as filhas estudassem e tivessem o que ela não teve, financeiramente. Era costureira e produzia as roupas das filhas, além de costurar para o alfaiate da cidade. Sempre dedicada ao extremo à família.

Ouvia-a diariamente balbuciar longas e fervorosas orações em favor de todos os netos – até dos que não faziam muita questão de demonstrar-lhe afeto.

Para ela, o almoço ao meio-dia era sagrado. Quando como fora de hora, sinto-me quase cometendo um crime.

Gostava das coisas do seu jeito (puxa, acho que já vi no espelho alguém assim!).

Por causa dela e de meus pais, que também tinham esse costume, NUNCA faltavam verduras em todas as refeições. Aprendi a comer salada mista, virado de couve com feijão, chuchu refogado com ovo, salada de beterraba temperadinha, bolinho de espinafre, couve-flor à milanesa, sopa-creme de milho (hummm… mãe, faz, please?), chips de abobrinha e brócolis de tudo que é jeito. Sei diferenciar acelga de chicória, almeirão, rúcula e agrião. E todos os tipos de alface, claro.

Perto das 17h, sempre rolava o abençoado café da tarde: pão, manteiga e café com leite. Suas filhas mantiveram esse hábito do interior paulista por toda vida, mas desconfio que nós, os netos, acabaremos com essa bonita tradição.

De vez em quando, a vó Bráulia fazia bolinho de chuva, de banana ou de polvilho. Este último mais esporadicamente, porque explodia no óleo. Já o bolinho de frango era pra ocasiões especiais – e precisava de muita gente pra ajudar, porque dava um trabalho danado – ela dizia.

Cultivamos o hábito de cumprimentá-la perguntando se estava melhor. Sim, porque, infelizmente, ela sofria com diversos tipos de dor – crônicas e pontuais. Nas costas, sempre. No estômago, quando abusava de alguma fritura. E o cansaço foi se somando às dores nos últimos anos em que esteve conosco. A fé, porém, ficou lá até o fim, inabalável.

Dela, acho que herdei o gosto pelo exótico. Nada mais explica o fato de ter nomeado as quatro filhas com a letra inicial “Z” – para o terror dos genros e amigos da família.

Ser fora da curva é legal. Não ter receio do que os outros vão pensar, também. Esse é o caminho da inovação, no meu ponto de vista, e me sinto geneticamente privilegiada por esse DNA excêntrico.

Resoluta, a vó Bráulia me ensinou a não ter medo de fazer o que precisa ser feito – ou dizer o que precisa ser dito. Franzia a testa e dava um pito em quem merecesse, sem dó.

Ela também me transmitiu geneticamente características que devem irritar a minha mãe, como a habilidade de fazer as coisas com capricho e de-va-gar. (Claro que, na média, ainda faço parte do time dos acelerados, mas é que, perto da pilha da minha mãe, sou quase uma tartaruga. Ninja, mas tartaruga).

Essa coisa de ser apressada minha mãe herdou da bisa Carolina. Não a conheci, mas sei que era acelerada. Trabalhava como parteira – ciência que aprendeu sozinha. Fez partos dificílimos e, apesar da pouca instrução, tinha invejável sabedoria.

Viúva perto dos 40 anos, precisou se virar para sustentar sete filhos. No início do século passado, vivendo no interior de São Paulo, essa não era uma tarefa exatamente fácil.

Ainda assim, jamais se negou a ajudar os que precisavam de seus serviços e não tinham condição de remunerá-la por isso. Atendia quem podia e quem não podia pagar. Aceitava como retribuição o que as famílias dos recém-nascidos possuíam em seus quintais: legumes, verduras, frutas, ovos, galinhas, porcos.

Desse modo, guerreira ao extremo, foi alicerce firme para seus filhos e exemplo para a comunidade onde viviam.

Apesar de possuírem histórias e contextos bem diferentes, posso observar as mesmas características da bisa Carolina em minha mãe: determinada, ativa, batalhadora. Ambas mulheres de fibra, cheias de fé e sabedoria.

Uma das mais bonitas vitórias de minha mãe foi sua formação acadêmica e profissional. Para uma menina pobre que precisava revezar roupas e sapatos com as irmãs para estudar, suas conquistas foram admiráveis e dignas de menções honrosas. Graças ao seu esforço e dedicação acima de qualquer média, e ao apoio de sua família, conseguiu bolsas de estudos e pôde se dedicar ao magistério, seu dom e paixão, impactando e transformando a vida de muita gente por aí.

Da mesma forma como a bisa Carolina, jamais se negou a ajudar a conhecidos e desconhecidos, nas mais diversas esferas e com os mais plurais recursos – intelectuais, financeiros, emocionais e espirituais.

Se minha filha herdar 1/3 da determinação das duas, seguramente alçará grandes voos pela vida afora. Já a vejo convicta e resoluta em coisas singelas, e isso me dá sinais de que a tal fibra está lá, bem colocada, pronta para os desafios que vierem.

Observo que a pequena herdou também da minha mãe o ácido bom humor e a (irritante) capacidade piadista de rir de si mesma e das circunstâncias, coisa que eu talvez ainda não tenha aprendido e sei lá se vou aprender. Ironias da vida. Eu bem que mereço.

Não sei se a bisa Carolina era modesta, mas minha mãe seguramente vai ficar encabulada com essa chuva pública de confetes. Tô nem aí. Sou que nem a vó Bráulia que, quando tinha que falar alguma coisa importante, soltava mesmo o verbo.

Foi bacana o exercício de identificar semelhanças entre a mulherada da família.

Talvez você se surpreenda ao fazer o mesmo, ouvindo desta vez com atenção algumas histórias de suas mães e avós que podem ter passado despercebidas em outros Natais.

Fica o convite para olhar-se no espelho, observando sua avó em você mesma.