Este texto nasceu de um pedido de desculpas.

Diga aí: você também acalenta na memória (bem mais que no coração) uma opinião defendida com alguma razão que teve que calar?

Eu tive que calar uma crítica ao Chico.

Helloooooooou, como diriam as jovens, nunca adolescentes, atualmente “migas”, quase bem loucas. Elas, seus amigos, os grandes conhecedores e os de narizes torcidos quando ouvem falar de um clássico da MPB como Chico Buarque, a velha guarda da década de 1960, 1970, 1980… enfim, ficam todos horrorizados com a minha audácia.

Tudo bem! É gente demais e eu tenho preguiça de lutar contra todos. Chico é unânime e eu sou petulante, pra não dizer ou escrever burra.

Sim, Chico é incrível, é um cronista talentosíssimo do nosso país, cultura, desavenças, amores, desamores, dores e alegrias.

Ahhhh, o Chico Buarque… Senhor Chico!

Chico rende não apenas esta playlist, mas conversas de bar, suspiros e emoções…

Eita, homem incrível, compositor sensível, intérprete pura delicadeza.

Ué. Mas não houve uma crítica? Sim, ela era sobre o Chico da literatura.

O texto estava pronto, algumas checagens para fechar e mandar à nossa editora. Tratava mais ou menos de, sem discurso inflamado, uma nota B ou C para o escritor que é tanto A na música.

Mesmo que sua obra literária seja respeitada e traduzida, falta um tcharan que (parece) só a música dá. Exigência de fã louca? Possivelmente.

Penso que o pobre do artista vive essas insanidades da expectativa sempre que traz um novo trabalho a público. Somos exigentes e temos metade da responsabilidade sobre isso. A outra metade fica por conta do talento daqueles que admiramos.

Eles são arrebatadores num trabalho e esperamos, minimamente, que mantenham o padrão de qualidade (agora, cá entre nós, pense numa bola dentro que você deu no trabalho. Já imaginou se o seu chefe absorve esse padrão de exigência e loucura? Está perdido(a)! Mais você que o patrão).

Chico começou na literatura com crônicas no jornal do Colégio Santa Cruz em São Paulo. Na década de 60, “A banda”, seu primeiro livro, saiu com o conto Ulisses, publicado primeiramente no jornal O Estado de São Paulo, além de manuscritos das primeiras letras de canções. Daí foi para 1974 com “Fazenda Modelo”, 1979 com o infantil “Chapeuzinho amarelo” e em 1981 vem a público o livro de poemas “A bordo do Rui Barbosa”. Na década de 1990, ele lança “Estorvo” (1991) e Benjamin (1995). Os mais recentes são “Budapeste” (2003) e “Leite Derramado” (2009).

E o veredicto final de que este texto simplório, que afirmava que a literatura perdia – e feio – pra música, merecia ocupar a minha gaveta Hilda Hilst (aquela gaveta das coisas que devem ficar guardadas e não serem mexidas ou remexidas) veio com o anúncio do prêmio francês Roger Caillois para Chico pelo conjunto de sua obra.

O que eu poderia fazer com o texto? Buscar o fundo bem fundo da gaveta para fazê-lo conhecer seu destino, mandá-lo ficar quietinho e engolir poeira e o orgulho, afinal, é o conjunto da obra, né, gente?

Pensei bastante de onde vem tamanha exigência. Por que não tive ataques com a obra dramatúrgica dele? Ora, temos em “Roda Viva”, “Calabar”, “Gota d´água” e “Ópera do Malandro” a música embrenhada de forma avassaladora, como é tudo que Chico compõe e canta.

Se tem música dele ecoando, a chatonilda aqui já se aconchega no conforto pra ouvir com a alma. É isso que Chico faz conosco: sem pedir licença coloca a nossa alma pra ouvir.

E, insolente como só ele, presenteia a gente com canções lindas, relatos de amores em encontros e desencontros, crítica social, apelo ao bom senso, costumes brasileiros, personagens do nosso dia a dia.

O “meu” Chico, um compositor e intérprete único, sabe que a playlist a seguir quer inquietar você a curti-la e também montar a sua. Sei que ela será tão saborosa como a minha. Será daquelas que colocará a alma pra trabalhar e o Cronista Buarque de Hollanda ganha, mais uma vez, todo o meu respeito pelo conjunto da obra.

Espero que você (re)descubra tamanho talento e, se possível, que o bom amigo Chico me perdoe a implicância. Está lá, no fundo da gaveta, e de lá não sairá jamais!

 

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