Todos somos educadores natos.

Alguns escolhem fazer da educação sua profissão e outros só descobrem essa missão ao se defrontarem com a tarefa de ajudar seus filhos a se tornarem humanos.

O fato é simples: nascemos gente, mas nos tornamos humanos. Sim, nos humanizamos na relação com os outros.

É na convivência que nos desenvolvemos, educando-nos mutuamente.

E, ao fazê-lo, podemos reconhecer nossa vocação primordial: sermos educadores.

Educamos a nós mesmos e aos outros (os mais próximos e até mesmo os mais distantes) constantemente, dia após dia. Uma atividade incansável e, muitas vezes, invisível.

Às vezes, prestamos homenagens a alguns artistas da educação em datas anuais especiais: dia dos pais, dia das mães, dia dos professores. Nos outros dias, porém, esquecemo-nos da responsabilidade que é estar diante do outro. De sermos humanos em toda a nossa inteireza, incluindo as luzes e as sombras de nossa humanidade.

Sem dramas. Nem mártires, nem santos. Apenas pessoas buscando crescer com a vida e encontrar o sentido para suas existências.

A família e a escola têm aí um papel essencial, por serem instituições sociais que representam o saber acumulado da educação – seja ele pautado na teoria ou em fundamentos práticos.

A família é o lugar primeiro da pedagogia. É onde somos recebidos e cuidados desde a infância. Quanto amor e dedicação recebemos nessa fase! Sem essa doação primordial, o que seria de nós?

Estamos aqui por que alguém se doou por nós, com o melhor e o pior (já que o pacote vem inteiro e não em partes separadas) que tinha à disposição.

Por mais que nos esforcemos, não podemos nos enganar. É preciso reconhecer os desafios que moram em nós.

Gostaria de falar exatamente sobre essa bagagem que disponibilizamos ao mundo toda vez que interagimos uns com os outros: nossas forças, crenças, esperanças, nossos valores, atos e papos.

Nossas palavras são extremamente formativas: constroem e destroem coisas belas.

O que desejamos, o que pensamos, o que estabelecemos como metas e prioridades, nossos pontos fracos, medos e tristezas… Tudo – repito: tudo – faz parte de nós. E oferecemos essa composição de que somos feitos a quem quer que encontremos ao longo da vida.

Muitas vezes somos capazes de nos controlar, de nos mascarar e omitir certas facetas do nosso ser. Mas, não por muito tempo. Fazê-lo deliberadamente exige muito trabalho e maestria. Talvez haja quem consiga.

Mas o tempo e a convivência são nossos amigos fiéis e revelam tudo.

Às vezes, de surpresa e de uma vez; outras, de conta gotas, até nos darmos conta da realidade.

Mas, se pensarmos em nossa co-responsabilidade de educadores, cabe a nós revermos nossa mala. O que carregamos nela? De qual “viagem” ou “aventura” nós trouxemos cada “lembrança”? Algo foi herdado da família? Ou foi aprendido na infância?

Precisamos nos dedicar a olhar e reconhecer nossas características e atitudes, como se estivesse fazendo um inventário de mudança. Olhar: ah, aqui tem isso. Existe em mim.

Tomemos cuidado, porém, com o julgamento: ou há vítimas, ou algozes. E nossa energia se dissipa nesse duelo sem fim que se passa em nossa cabeça.

Quando nos mudamos, sempre podemos rever o que realmente queremos continuar carregando com a gente.

Muitas coisas, nessa análise, nem serão vistas. Ufa! Não damos conta de tanta consciência! E temos a vida afora para nos descobrir. Se não, que graça teria? É quase como saber o final de um filme.

As coisas não reveladas se encontram em um compartimento de mais difícil acesso chamado inconsciente. Para mexer nelas requer-se bem mais trabalho e vontade. Em alguns casos, até acompanhamento de alguém mais conhecedor das profundezas da alma humana.

Mas, olhemos para o que está à vista.

O que quero conservar? O que pode ser deixado de lado? O que pode ser devolvido a quem de direito?

Há algum tempo tenho devolvido pertences que peguei emprestado pelo caminho, mas que já não me servem mais e viraram peso desnecessário em minha bagagem.

Esse trabalho de limpeza é árduo. E, depois dos trinta anos, parece ser a tônica dos anos iniciais da nossa jornada “adulta”.

No entanto, é inegável que esse seja um processo extremamente benéfico para a vida humana, uma vez que nos ajuda a nos ater ao essencial.

O essencial é profundamente educativo.

Além do mais, liberta a próxima geração de lutar contra coisas desimportantes e a se ocupar com desafios mais grandiosos.

Talvez polemizar seja uma tarefa própria das novas gerações. Afinal, eles são os “revisores” do nosso texto e da nossa história. A eles deixamos a incumbência de dar continuidade àquilo que começamos ou que, talvez, tenhamos recebido dos nossos ancestrais.

Eles continuam a história da forma que quiserem e conseguirem. No entanto, podemos dar uma preciosa contribuição ao avaliarmos e reavaliarmos continuamente o que realmente vale a pena conservar em nós.

Por isso digo que o futuro pertence aos adultos. Se mantivermos o que é essencial, deixaremos em nossa bagagem somente o que vale a pena carregar.

Aí então, se um dia nos chamarem de conservadores, poderemos responder com tranquilidade: obrigada. E retribuir com um sorriso de satisfação. Nossa tarefa de educadores está sendo reconhecida!

E se nos chamarem de revoltados ou transgressivos, agradeçamos mais uma vez, pois o novo está nascendo em nós. E ser diferente do que nossos pais foram, ou do que esperavam que fôssemos, não é ingratidão. É uma benção. Um sinal de que estamos mais próximos da nossa autenticidade.

No entanto, só será possível reconhecer isso se aceitarmos enveredar pelo caminho do autoconhecimento e da autoeducação. Assim, saberemos quem somos, o que podemos oferecer e colocar tudo à serviço da vida humana e da Terra.