Houve uma época em que eu vivia mais tempo dentro do carro do que fora dele. Perdia horas em congestionamentos. Buzinas, freadas, palavrões. Confesso que comecei a gritar, a usar o dedo do meio e a grudar na traseira do veículo à minha frente.

Sempre sozinha naquele espaço para mais quatro pessoas, lembro que tinha muita pressa.

Não aguentava ficar tanto tempo ali sentada e com muito a fazer. Eu precisava ser veloz. Querer agilidade ao dirigir 20 km/h significava “cortar” o máximo de carros que conseguia, ultrapassar o farol vermelho, conduzir rente aos outros automóveis e, enfim, ser a dona da avenida.

Estava tão atarefada com diferentes trabalhos, projetos e estudos que não notei a quantidade de multas que chegavam. Até o dia em que minha carta de motorista foi suspensa por vários meses. Primeiro entrei em pânico: como me locomoveria diariamente para lugares tão distantes?

Andar de trem, ônibus, metrô. Não, não seria possível – eu não tinha tempo.

Baldeações, espera, multidão, desconforto, mau cheiro. Simplesmente não dava. Táxi era caro e naquele tempo não havia Uber. Não teve jeito: tive que reaprender a andar de trem.

Depois do choque inicial, fui me acostumando. Comecei a sair mais cedo de casa e, pouco a pouco, passei a apreciar essa nova rotina. Apesar de saber que meus horários não eram os de pico, descobri que o trem era um lugar cheio de histórias para observar e contar.

Deixei de lado a individualidade e passei a vivenciar a coletividade.

Todos os dias era um vai-e-vem e gente de todo o tipo. Havia vendedores ambulantes com suas estratégias mercadológicas. Mães solteiras no equilíbrio circense entre bebê e bagagens. Universitários que discordavam da metodologia do professor. Comadres sacoleiras que indagavam se, quando chegassem em casa, iriam pedir uma pizza ou fazer macarrão com atum. A vida acontece na estação.

Dei-me a oportunidade de contemplar o pôr-do-sol na janela em movimento. Observei aquela igreja amarela do bairro Fundação, que passa e deixa saudade de um tempo que ainda não vivi. Li aquele livro que comprei por impulso na Feira da USP em 2006. Reparei nos tijolos alaranjados das antigas fábricas da Mooca e nas lâmpadas sem lustres, acesas no começo da noite em casas que beiram o rio.

Aprendi a dar safanão e a correr para não perder a conexão. Percebi que olhar de longe um veículo enorme e azul marinho se aproximar é uma das melhores sensações do mundo – digna de Amelie Poulain. Notei que, às vezes, enquanto aguardo o trem aparecer na linha do horizonte, tenho vontade de chorar, mesmo sem saber por quê. Decidi deixar-me levar, como numa valsa, e entendi que tempo eu tinha, só era preciso paciência.

Na estação Brás há um outdoor com letras garrafais: “Onde está sua bolsa?”. Internamente trocava para a pergunta: “Onde está você?”.

Quando finalmente chegou minha carta, não queria mais trocar meu carro, andar de salto alto e usar relógio caro. Eu também estava renovada.

Não era necessário abraçar o mundo para ser feliz. Então, fui mudando os horários, os trabalhos, os objetivos e o mundo foi assim, cabendo na palma minha mão.

Se cheguei ao meu destino? De forma alguma. Vivo entre idas e vindas de dúvidas e incertezas.

Apenas não consigo mais fingir que toda aquela loucura era normal.